Guardo a Carla no meu coração como doula do meu (re)nascimento.
Dizer isto é um cliché, bem sei. Tendo sido doula da gestação do meu filho e do seu parto, isso explicaria logo, num caminho curto, porque assim a guardo no corpo, no coração e na memória.
Essa, porém, é apenas a face formal da história, a função em que a investi.
O que a marca para sempre na minha vida é o modo como ocupou esse lugar ou, dito de outro modo, o seu jeito de Ser.
Quando lembro a Carla, a sua imagem aparece sempre colada a um levantar do véu do dogmatismo. Num mundo tão extremado, que a todo o tempo ignora as tantas gradientes de cinzento de que é feita uma história, foi uma benção encontrar quem não se deixa capturar por nenhum dos senhores nas pontas da recta e, bem ao contrário, a todo o tempo, chama as pontas a dialogar, formando um círculo.
O meu corpo logo distende, amorna e abre ao lembrar o oásis que foi ser recebida, a cada encontro, por este colo que me aceitou, acolheu e nutriu a partir do local em que eu estava, das questões que eu trazia, das necessidades e desejos próprios. Com alternativas, sentires e informações, sim. Mas sem cartilhas, receitas, agendas, pró-formas, pretensões ou veleidades. Fosse num sentido ou no outro. Essa presença extremamente empática, subjectiva e pessoal é sempre um bálsamo. Para quem não sabe senão viver em equilíbrio desafiante entre extremos, para quem não conhece outro caminho senão o do meio, essa presença radicalmente empática é um imperativo. E a Carla esteve lá comigo, a recolher os fios daqui e dali e a tecer a trama única daquela gestação e parto, sem enveredar por atalhos ou pretender guiar-me por eles.
O renascimento de que falo não é (apenas) o da mulher-mãe em que, a tactear, me tornei na travessia da gestação e do pós-parto. É o da mulher que, quando se vê a ser puxada para as esquinas, para os lugares esconsos, tem em si uma bússola que a orienta a abrir espaço, a reunir e a ouvir a resposta que vem do centro.